sábado, 14 de agosto de 2021

SONETOS DE CRUZ E SOUSA




Cruz e Sousa foi o principal nome do Simbolismo brasileiro, nasceu em 24 de novembro de 1861. Filho de escravos alforriados, teve acesso à educação formal graças ao apadrinhamento do ex-“dono” de sua mãe. Durante toda a sua vida, sofreu com o preconceito racial, mas lutou contra a escravidão e o racismo. Para sobreviver, trabalhou na Companhia Dramática Julieta dos Santos e, mais tarde, na Estrada de Ferro Central do Brasil, quando adquiriu tuberculose, o que o levou à morte em 19 de março de 1898.

Inefável 

 Nada há que me domine e que me vença 
 Quando a minha alma mudamente acorda... 
 Ela rebenta em flor, ela transborda 
 Nos alvoroços da emoção imensa. 

 Sou como um Réu de celestial sentença, 
 Condenado do Amor, que se recorda 
 Do Amor e sempre no Silêncio borda 
 De estrelas todo o céu em que erra e pensa. 

 Claros, meus olhos tornam-se mais claros 
 E tudo vejo dos encantos raros 
 E de outras mais serenas madrugadas! 

 Todas as vozes que procuro e chamo 
 Ouço-as dentro de mim porque eu as amo
 Na minha alma volteando arrebatadas


Acrobata da Dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,   
como um palhaço, que desengonçado,   
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado   
de uma ironia e de uma dor violenta.  

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,   
agita os guizos, e convulsionado   
salta, gavroche, salta clown, varado   
pelo estertor dessa agonia lenta ...  

Pedem-se bis e um bis não se despreza!    
Vamos! retesa os músculos, retesa   
nessas macabras piruetas d'aço. . .  

E embora caias sobre o chão, fremente,   
afogado em teu sangue estuoso e quente,   
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


Música da Morte

A música da Morte, a nebulosa, 
estranha, imensa música sombria, 
passa a tremer pela minh'alma e fria 
gela, fica a tremer, maravilhosa ...

Onda nervosa e atroz, onda nervosa, 
letes sinistro e torvo da agonia, 
recresce a lancinante sinfonia 
sobe, numa volúpia dolorosa ...

Sobe, recresce, tumultuando e amarga, 
tremenda, absurda, imponderada e larga, 
de pavores e trevas alucina ...

E alucinando e em trevas delirando, 
como um ópio letal, vertiginando, 
os meus nervos, letárgica, fascina
...


Vida Obscura

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, 
ó ser humilde entre os humildes seres.  
Embriagado, tonto dos prazeres, 
o mundo para ti foi negro e duro

Atravessaste no silêncio escuro 
a vida presa a trágicos deveres 
e chegaste ao saber de altos saberes 
tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto, 
magoado, oculto e aterrador, secreto, 
que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos 
sei que cruz infernal prendeu-te os braços, 
e o teu suspiro como foi profundo!


Dilacerações

Ó carnes que eu amei sangrentamente, 
ó volúpias letais e dolorosas, 
essências de heliotropos e de rosas 
de essência morna, tropical, dolente...

Carnes, virgens e tépidas do Oriente 
do Sonho e das Estrelas fabulosas, 
carnes acerbas e maravilhosas, 
tentadoras do sol intensamente...

Passai, dilaceradas pelos zelos, 
através dos profundos pesadelos 
que me apunhalam de mortais horrores...

Passai, passai, desfeitas em tormentos, 
em lágrimas, em prantos, em lamentos 
em ais, em luto, em convulsões, em dores...




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